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A águia, o elefante e a beleza de ser o que se é


“É óbvio que o potencial de uma águia será realizado no vagar pelo céu, ao mergulhar para pegar pequenos animais para comer, e na construção de ninhos.

É óbvio que o potencial de um elefante será realizado através do tamanho, força e desajeitamento.

Nenhuma águia quer ser elefante e nenhum elefante quer ser águia. Eles se “aceitam”, aceitam seu “ser”. Não, eles nem mesmo se aceitam, pois isto significaria uma possível rejeição. Eles se assumem por princípio. Não, não se assumem por princípio, pois isto implicaria uma possibilidade de ser diferente. Eles apenas são. Eles são o que são, o que são.

Quão absurdo seria se eles, como os humanos, tivessem fantasias, insatisfações e decepções. Como seria absurdo se o elefante, cansado de andar na terra, quisesse voar, comer coelhos e botar ovos. E que a águia quisesse ter a força e a pele grossa do elefante.

Que isto fique para o homem! — tentar ser algo que não é — ter ideais que não são atingíveis; ter a praga do perfeccionismo de forma a estar livre de críticas, e abrir a senda infinita da tortura mental.”

A ilustração e o texto acima são parte do livro “Escarafunchando Fritz: dentro e fora da lata de lixo” (1979, p. 16). O autor é Frederick Salomon Perls, ou Fritz Perls, como é mais conhecido o criador da abordagem psicoterapêutica Gestalt-terapia.

Sobre a temática, Pinheiro (2014) nos convida a imaginar a águia citada por Fritz na tentativa alienada em ser elefante, caminhando pelo chão da floresta e se impondo a obstáculos que exigiriam um tamanho e uma força que não possui. Certamente, com esse movimento, se tornaria uma águia vulnerável e desnutrida, abrindo mão de sua capacidade de atuar no mundo e de extrair seus alimentos, uma de suas necessidades mais fundamentais, colocando em risco sua sobrevivência. O mesmo fracasso se daria com o elefante, caso tentasse viver e voar como uma águia.

Para o autor, quanto mais a águia se faz águia, mais tem condições de enfrentar a vida, pois se apropria de sua realidade e limites, o que lhe dá condições de desenvolver capacidades, tais como a agilidade de voar e a acuidade visual. Quanto mais a águia se faz capaz, maior a vitalidade e a potência para se manter e se transformar.

Essa forma de olhar o processo de mudança nos traz reflexões marcantes, sobretudo quanto à beleza de ser o que somos. O movimento de autopreservação é necessário, já que a vida não é possível sem esse gesto, mas para que exista, cada um de nós precisa de manutenção e adaptação, permanência e transformação. Se permitirmos, a vida se dá, ou seja, se nós nos permitirmos a entrar em contato com quem somos, o crescimento se desenvolverá de forma natural e harmônica.

Um corredor de fórmula 1, p. ex., que queira ser mais rápido em uma curva, primeiramente precisará conhecer cada detalhe da curva e cada detalhe de seu desempenho (medos, inseguranças, resistências e também facilidades), ampliando sua integração com seu meio externo e interno. “Em outras palavras, quanto mais ele se apropria de seus limites, mais condições tem de superar obstáculos” (PINHEIRO, 2014, p. 187).

REFERÊNCIAS

PERLS, Frederick S. Escarafunchando Fritz: dentro e fora da lata de lixo. Summus: São Paulo, 1979. p. 16.

PINHEIRO, M. Teoria Paradoxal da Mudança. In: FRAZÃO, L. M.; FUKUMITSU, K. O. [Orgs.]. Gestalt-Terapia: conceitos fundamentais. 1 ed. Vol. 02. São Paulo: Summus, 2014. Cap. 10, p. 180-192.

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